sexta-feira, 27 de agosto de 2010

RETALHOS DE VIDA


É preciso se ter um herói
E uma santa
Um sonho de bailarina
E um cavalo de batalha
É preciso se ter uma partida
E um lugar para voltar
Uma mão firme que impeça que se atravesse a rua
Um cafuné durante uma crise de choro.
É preciso se ter um segredo
Com a avó que oferece doce antes do almoço.
É preciso ter a mão que deixa uma louça de lado
Para acariciar um hematoma recém fabricado.
É preciso ter cobrança e respeito.
É preciso ter histórias de vida
Ao som dos garfos e facas ao prato.
É preciso ter cantoria
E fé na vida, por mais dura que ela seja.

Para ser quem sou,
Foi preciso ouvir todos os dias o som do violão.
E um assobio no ar.
Muitos “nãos”.
Foi preciso
Ter tido um pai de ferro e de algodão,
E uma mãe de espinho e de doce.
Foi  preciso aprender a ver
Nas nuvens abstratas, objetos concretos.
Brincar com as sombras na parede,
Das tuas mãos gigantes nas minhas, tão pequenas,
Todas as vezes que a luz acabava.
Para ser quem sou,
Tive que repartir uma maçã em três pedaços,
suportar a vontade de comer mais um bife.
Ver papai chegar do serviço e ir irrigar as plantas.
Assim como a mamãe na máquina de costura
Todos os dias de minha vida.
Foi preciso levar umas palmadas,
Após brincar com ovo, ou me molhar inteira na torneira.
Foi preciso ouvir muito Vinicius de Morais e Dilermando Reis.
Sentir a falta do papai no carnaval,
Quando ele partia para tocar o seu piston.
E depois, esperá-lo na esquina, quarta feira de cinzas.
(Ele sempre trazia um presente para cada um de nós).

Foi preciso estudar muito e tirar as melhores notas.
Foi preciso andar muito a pé,
carregando minha mochila pesada.
Passar vergonha na faculdade,
por não ter uma roupa ou um sapato bonito,
como os das minhas colegas.
Foi preciso muito silêncio e sofrimento.
Mas do jeito bom de se sofrer.
Acordar cedo e dormir tarde.
Passar as tardes na biblioteca por não ter onde ir.
Foi bom ter aprendido cedo a dar valor as coisas.
Foi bom ter que lavar a louça subida numa cadeira
Para alcançar a pia.
Foi bom.
Importante.
Imprescindível.
Eu amo a minha história.
E, fosse eu a autora de tudo,
Não saberia escrevê-la diferente.

ELOISA ROCIA

2 comentários:

Olá, amiga, amigo...
Espero que tenha gostado do blog e que volte muitas vezes neste espaço!
Abraço!
Eloisa