domingo, 13 de novembro de 2011

Chuva...

Chuva amena sobre as telhas
pianissimamente canta
Uma canção que só aos nobres cabe ouvir,
Um cheiro que só aos pobres cabe decifrar...
Sereníssima como a fonte
Rítmica como música
Tênue, mas ágil
Flácida, más lúcida.

Chuva amena... conta-me os segredos que existem no céu
Onde se esconde o Criador?
Onde se faz o verão e a neve e outras chuvas mais?
Conta-me ao ouvido
Já é noite, todos dormem absorvidos em seus sonhos...

Canta-me, chuva amena
Uma música ao ouvido,
Uma canção que me faça ninar e sonhar
Com os tempos de menina
Tempos em que eu era tudo o que precisava ser
Canta-me ao “pé do ouvido”
Canções de outrora
Que me façam sonhar e esquecer,
 por um momento,
do tormento que é o agora.

(Eloisa Rocia)

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Alguém por mim...

Há de haver alguém aqui
Neste quarto escuro e frio,
fechado, porta adentro
Além de mim
Chorando por memórias que ficaram
De pessoas que partiram sem deixar explicação
O que faltou?
Por que fingir se não há luz no cais
Adentro um pensamento queima feito fogo ardendo
Quente
Chama ardente
Brisa fria
Noite vazia
Choca com a loucura, a desventura
De amanhã
De manhã
Não amanhecer
Desaparecer...

E como não pensar, não crer, não ver
Que há alguém que tira da faca o gume
Do veneno a toxixidade
Da ponte a altura
Da corda o laço
Que me impede o tropeço
Sem retorno do começo
Ou do fim
Eu sei que há... alguém...
Alguém aqui
Por mim.

(Eloisa Rocia)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Essa tal modernidade...



Há tão pouco tempo, eu acordava muito cedo.
Acredite: antes mesmo que o galo abrisse o bico para cantarolar.
Pulava da cama, tomava um belo banho num banheiro superdisputado.
Usava minha “Lancôme Paris” na face sardenta e quadrada.
Delineava meus olhos, vermelhos pela insônia, com marrom escuro.
Passava um rímel preto com muito cuidado.
Encurvava os cílios com “curvex” e, a cada apertada, contava até 20, bem devagar.
 Passava uma nova demão de rímel incolor para “segurar a onda” do dia.
Beliscava as bochechas para ficarem vermelhinhas (truque de vovó).
Reforçava meu furinho no queixo com uma imperceptível batidinha de sombra marrom
Enrubecia os  lábios com um baton de tom feliz.
Uma vez uniformizada, mochila nas costas, pé na rua e fé na vida.
Sorria para o mundo, por tudo, ou por nada,
tal qual a aeromoça que sobrevoa o mudo sem  pagar passagem.
Naquele tempo (há tão pouco tempo) eu malhava muito.
Corria muito,
Tinha dois empregos e pouco dinheiro.
Tinha boas roupas e uma aparência aceitavelmente feliz.
Era uma figura normal,
sempre conseguia ficar invisível no meio da multidão.
Não tinha cabelos brancos, mas gostava de tonalizá-los
com um brilho acajuado.
(Sempre fiz isso, mesmo antes de ser moda).
Como os cabelos de minha avó, os meus sempre foram terrivelmente lisos, o que me permitia acordar sempre um pouco mais tarde do que as minhas colegas da república.
Em contrapartida, existia (e existe) uma mecha composta por não mais que uns 20 fios na minha franja que se dizem da oposição.
Sim. Eles são comunistas.
Enquanto todos vão para um lado,
eles vão para o outro e param bem entre os meus olhos.
Diariamente converso com eles, mas eles nunca me obedeceram.
 Nunca.
Nessa época eu vivia mais de chá e menos de café.
Mais de ônibus e menos de carro.
Mais de orelhão e menos de celular.
Mais de escada e menos de elevador.
Mais de mochila  e menos de bolsa.
 Mais de tênis e menos de salto.
Mais sozinha do que em grupo.
 A biblioteca era o meu santuário
E, finalmente, cama era lugar de dormir.


Hoje...
Eu continuo acordando cedo... cada dia mais cedo... aliás, será que dormi?
Me arrasto da cama e tomo um café com banho
(só um café seria pouco para despertar, assim como somente um banho não despertaria o lado dormente que reside em mim)
Agora o banheiro é só meu, e isso não tem graça nenhuma.
Não há tempo para maquiagem.
Alimento e arrumo as crianças para a escola.
 Me irrito umas 10 vezes antes de coloca-las no carro.
Jogo o Jaleco sobre os ombros e passo o filtro solar na face.
Procuro a bolsa que todos os dias se esconde de mim.
Corro... para o carro.
Me irrito com um caminhão parado no portão.
Estou mais uma vez atrasada.
Minhas olheiras me devoram pelo espelho retrovisor,
Penso estar num daqueles episódios de “Sobrenatural”.
Chego atrasada e todo mundo me enxerga:
Um dia estou mais pálida, outro mais gorda, outro mais abatida...
Ora ou outra alguém diz assim: “Ih, olha lá, um cabelinho branco! Tá ficando velha, eeeein?”
Ahan. Estou. Só eu. Somente eu.
Alguma amiga me estende gentilmente um baton e um espelho.
(Um Parêntese: Baton nunca, jamais, em hipótese alguma, você empresta de alguém, ok? Trata-se de um objeto pessoal íntimo, assim como escova de dentes, calcinha  etc)
Meu poder de sumir no meio da multidão já era.
Tem sempre aquele que diz: sua franja está diferente hoje... o que você fez?
Putz... acredita que eu não fiz absolutamente nada?
Ela faz o que quer todos os dias!
E o que antes era um “charminho” se torna uma coisa estranha com vida própria.
Não há mais diálogo entre eu e minha franja.
Minha última tentativa de diálogo foi fazer uma escova progressiva nela, e ela virou nada mais nada menos que uma vassoura piassava.
 Só que com 20 fios.

Hoje tomo café para acordar e remédio para dormir
Gasto metade do meu salário no caminho do trabalho, com gasolina.
Caminho menos, porque meu celular está na bolsa, o que apressa a irritação, porque ele não espera nem você terminar de ir ao banheiro.
Corro de salto,
 o que dá uma dor metatársica tremenda ao fim do dia.
Tomo antidepressivos.
Choro por nada e por tudo.
Hoje eu leio, estudo, converso com as pessoas e durmo num mesmo lugar: na cama.
Minha cama tem farelos de biscoito, o que me irrita à beça.
Estudar, ultimamente, tem me dado náuseas.
 
E então...
Me explica esta tal modernidade... será que ela traz mesmo felicidade?
Dez anos se passaram e tudo mudou...
Como será a nossa vida daqui a cinco anos?
É tudo tão acelerado que, às vezes eu me sinto ultrapassada...
Não sei se gosto... não sei se é bom...
Tudo está meio confuso ao meu redor... ou talvez seja eu...

(ELOISA ROCIA)