quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Essa tal modernidade...



Há tão pouco tempo, eu acordava muito cedo.
Acredite: antes mesmo que o galo abrisse o bico para cantarolar.
Pulava da cama, tomava um belo banho num banheiro superdisputado.
Usava minha “Lancôme Paris” na face sardenta e quadrada.
Delineava meus olhos, vermelhos pela insônia, com marrom escuro.
Passava um rímel preto com muito cuidado.
Encurvava os cílios com “curvex” e, a cada apertada, contava até 20, bem devagar.
 Passava uma nova demão de rímel incolor para “segurar a onda” do dia.
Beliscava as bochechas para ficarem vermelhinhas (truque de vovó).
Reforçava meu furinho no queixo com uma imperceptível batidinha de sombra marrom
Enrubecia os  lábios com um baton de tom feliz.
Uma vez uniformizada, mochila nas costas, pé na rua e fé na vida.
Sorria para o mundo, por tudo, ou por nada,
tal qual a aeromoça que sobrevoa o mudo sem  pagar passagem.
Naquele tempo (há tão pouco tempo) eu malhava muito.
Corria muito,
Tinha dois empregos e pouco dinheiro.
Tinha boas roupas e uma aparência aceitavelmente feliz.
Era uma figura normal,
sempre conseguia ficar invisível no meio da multidão.
Não tinha cabelos brancos, mas gostava de tonalizá-los
com um brilho acajuado.
(Sempre fiz isso, mesmo antes de ser moda).
Como os cabelos de minha avó, os meus sempre foram terrivelmente lisos, o que me permitia acordar sempre um pouco mais tarde do que as minhas colegas da república.
Em contrapartida, existia (e existe) uma mecha composta por não mais que uns 20 fios na minha franja que se dizem da oposição.
Sim. Eles são comunistas.
Enquanto todos vão para um lado,
eles vão para o outro e param bem entre os meus olhos.
Diariamente converso com eles, mas eles nunca me obedeceram.
 Nunca.
Nessa época eu vivia mais de chá e menos de café.
Mais de ônibus e menos de carro.
Mais de orelhão e menos de celular.
Mais de escada e menos de elevador.
Mais de mochila  e menos de bolsa.
 Mais de tênis e menos de salto.
Mais sozinha do que em grupo.
 A biblioteca era o meu santuário
E, finalmente, cama era lugar de dormir.


Hoje...
Eu continuo acordando cedo... cada dia mais cedo... aliás, será que dormi?
Me arrasto da cama e tomo um café com banho
(só um café seria pouco para despertar, assim como somente um banho não despertaria o lado dormente que reside em mim)
Agora o banheiro é só meu, e isso não tem graça nenhuma.
Não há tempo para maquiagem.
Alimento e arrumo as crianças para a escola.
 Me irrito umas 10 vezes antes de coloca-las no carro.
Jogo o Jaleco sobre os ombros e passo o filtro solar na face.
Procuro a bolsa que todos os dias se esconde de mim.
Corro... para o carro.
Me irrito com um caminhão parado no portão.
Estou mais uma vez atrasada.
Minhas olheiras me devoram pelo espelho retrovisor,
Penso estar num daqueles episódios de “Sobrenatural”.
Chego atrasada e todo mundo me enxerga:
Um dia estou mais pálida, outro mais gorda, outro mais abatida...
Ora ou outra alguém diz assim: “Ih, olha lá, um cabelinho branco! Tá ficando velha, eeeein?”
Ahan. Estou. Só eu. Somente eu.
Alguma amiga me estende gentilmente um baton e um espelho.
(Um Parêntese: Baton nunca, jamais, em hipótese alguma, você empresta de alguém, ok? Trata-se de um objeto pessoal íntimo, assim como escova de dentes, calcinha  etc)
Meu poder de sumir no meio da multidão já era.
Tem sempre aquele que diz: sua franja está diferente hoje... o que você fez?
Putz... acredita que eu não fiz absolutamente nada?
Ela faz o que quer todos os dias!
E o que antes era um “charminho” se torna uma coisa estranha com vida própria.
Não há mais diálogo entre eu e minha franja.
Minha última tentativa de diálogo foi fazer uma escova progressiva nela, e ela virou nada mais nada menos que uma vassoura piassava.
 Só que com 20 fios.

Hoje tomo café para acordar e remédio para dormir
Gasto metade do meu salário no caminho do trabalho, com gasolina.
Caminho menos, porque meu celular está na bolsa, o que apressa a irritação, porque ele não espera nem você terminar de ir ao banheiro.
Corro de salto,
 o que dá uma dor metatársica tremenda ao fim do dia.
Tomo antidepressivos.
Choro por nada e por tudo.
Hoje eu leio, estudo, converso com as pessoas e durmo num mesmo lugar: na cama.
Minha cama tem farelos de biscoito, o que me irrita à beça.
Estudar, ultimamente, tem me dado náuseas.
 
E então...
Me explica esta tal modernidade... será que ela traz mesmo felicidade?
Dez anos se passaram e tudo mudou...
Como será a nossa vida daqui a cinco anos?
É tudo tão acelerado que, às vezes eu me sinto ultrapassada...
Não sei se gosto... não sei se é bom...
Tudo está meio confuso ao meu redor... ou talvez seja eu...

(ELOISA ROCIA)

2 comentários:

  1. O modo como escreves, me encanta. É prazeroso e bom, apenas no modo de absorver o que está escrito ao clicar a seta inferior, para que o texto corra.
    "Hoje tomo café para acordar e remédio para dormir", queria poder dizer ao contrário com dezessete anos, assim como no começo do texto. Porém, quem saiba o meu caso não seja reverso? ( Ou não ) hehe ...

    Beijos no coração chará!

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  2. Querida Eloisa Pedroni... Elô... charazinha...
    "O preço que se paga às vezes é alto demais", como diria HG, não?
    Mas aprendi a fazer da minha insônia algo produtivo: artesanatos, textos, ler uns livros legais... tenho procurado evitar tomar remédios para dormir, porque o relógio, no dia seguinte, desperta sem piedade daqueles que tomaram um Alprazolam e estão no auge do sono... procuro dormir mais aos fins de semana...
    Tente não se estressar enquanto isso ainda é uma opção para você, pois chega uma hora que o estress não perdoa. Essa hora chega quando você fica mais velha e é obrigada a manter a linha para educar os filhos, manter o emprego e o casamento.
    Vai por mim: és jovem, e, creio, linda! Gostaria muito de trocar idéias contigo, pois daqui 10 anos minha filhinha terá a sua idade...
    Beijos, querida!
    Obrigada pelas palavras carinhosas e sempre ternas!
    Eloisa Rocia

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Olá, amiga, amigo...
Espero que tenha gostado do blog e que volte muitas vezes neste espaço!
Abraço!
Eloisa