domingo, 11 de julho de 2010

Dora: uma brasileira comum.



Ela acorda todos os dias às 4:30.
 Prepara a marmita do marido e o café preto.
 O pão já acabou.
 O mês ainda não.
Corta o alho e a banha que guardou.
 Eram as sobras que a patroa sempre joga no lixo.
Dora pensa: “Que bom que a patroa é light”- e ri.
Fritando o alho na banha, joga o arroz contado.
Pensa: “dando para as crianças e para o marido
 já está de bom tamanho”.
O feijão já está cozido na geladeira.
 Está pouco, mas ela aumenta com água e farinha.
 Pronto. Marmita pronta. Café pronto.

Acorda as crianças.
 Apronta a prole para a creche.
Sapatos impecáveis.
 Cabelos molhados, grudados no couro cabeludo.
 Dentes escovados. Tudo pronto.

Caminho longo, à pé, até chegar.
Mas tudo passa rápido, graças às belas histórias de Dora.
Sim, ela definitivamente é boa ao contá-las.
As crianças se divertem,
 e os risos fazem os pés não doerem tanto.

Às vezes Dora chora.
Na casa da patroa ela pode almoçar...
 nunca falta nada.
 Sempre tem arroz, feijão, carne, legume e verdura.
 Mal consegue engolir a refeição, pensando no marido, pobrezinho... na roça.

Quanto às crianças,
elas tomam um bom leitinho se soja c
om bolacha na escola,
de manhã.
Depois almoçam uma sopa nutritiva.
Na saída da escola tem uma fruta.
Definitivamente: elas comem muito bem.
Mas o marido... pobre homem!
Mal chega aos seu 45 quilos...
e carrega aquela foice pesada o dia todo.
Ele corta cana de açúcar.

Dora não come carne.
Não que não lhe agrade o sabor de um bom bife.
São os dentes que lhe faltam na boca.

Muitas vezes ela pede as sobras de comida prá patroa,
 que é definitivamente muito boa!
Dora diz que é para o Rex, seu cachorro.
Dora mente – aliás, como toda boa contadora de histórias,
 é uma grande mentirosa.
 As sobras são para o jantar das crianças e do marido.
 Inclusive, Dora mente duas vezes:
 o Rex já morreu há alguns meses.
Atropelado por uma viatura.
Pobre Rex. Ele era um bom cão!

Dora não janta.
Dora prepara a mesa e se senta.
É tão bom ver as crianças se fartarem assim!

Todas as vezes que tem sobras na patroa,
as crianças têm mistura.
Dora agradece a Deus pelo alimento que,
no final das contas, nunca falta à mesa.
 Mal ou bem, as crianças não passam fome.
Nem o marido. Nem ela.

Nunca lhe faltara serviço, porque Dora faz de tudo um pouco. Faz faxina, limpa piscina,
 é boa na roça, é boa na costura, no crochê...
e assim segue a vida.

Mais um dia desta mulher se passa.
Ela já fez os seus 40 anos.
Mas sente sua alma jovem.
Quer ver as crianças crescerem.
“Ainda vou ter um filho doutor”
- é o que ela sempre diz para as visitas.

As pequenas quatro criaturinhas dormem,
lado a lado, num colchão de casal.
Dora começa a pensar no futuro:
 e quando esta coberta ficar pequena para eles?
 A cama já está curta.
 Tem pé que já dorme pendurado... ou encolhido.

Mas logo ela se lembra de Deus,
 e faz a mesma prece de sempre:
 “Deus, não deixe faltar nada para os meus filhos”.
 E Deus sempre atende aos pedidos de Dora.

Antes de se deitar,
ela pega a bacia com água morna e uma bucha.
Lava os pés da criançada.
Faz uma gracinha com cada um.
Todos de pés limpos.
Oração.
Beijo na testa de cada um.

 Dora vai até a porta
 – segue o mesmo ritual desde que nasceram os gêmeos mais velhos –
 faz o gesto de uma grande cruz com a mão direita sobre os pequenos.
Uma bênção grande.

Dora é uma mulher de fibra.
Riso fácil.
Sem fome.
Sem sono.
 Incansável.
 De muita fé.
 Nunca deixou faltar nada em casa.
Nada.

Na casa de Dora, tudo é medido.
Nada é desperdiçado.
 O arroz, o feijão, a farinha...
Mas o amor é despejado em altas doses
sobre cada filho que se deita à cama quente.
A casa de Dora é um ninho.
Um ninho de amor, paz e esperança.
 A casa de Dora é uma incubadora de sonhos.
 Promete bons frutos à humanidade.

ELOISA ROCIA

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